É cabível ou não a condenação de sucumbência no Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica?

É cabível ou não a condenação de sucumbência no Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica?

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) em decisão recente no Recurso Especial n. 1.800.330/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, dirimiu a importante discussão, principalmente para os advogados nacionais, no que tange à fixação de honorários advocatícios em caso de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

A pergunta é: Cabe ou não a condenação nos ônus sucumbenciais em tal incidente (IDPJ)?

O STJ concluiu pela impossibilidade, no nosso entendimento, acertadamente, vejamos porque:

  1. O Código de Processo Civil (CPC) já informa, de maneira taxativa, as hipóteses cabíveis para os honorários advocatícios sucumbenciais na forma do §1º, art. 85 do CPC, isto porque a condenação dessa jaez deve estar atrelada a natureza jurídica do ato judicial (de decisão terminativa), não sendo o caso da decisão de IDPJ;

  2. O CPC atual traz expressa previsão para a instauração do instituto da desconsideração da pessoa jurídica, sendo definido no artigo136 como decisão interlocutória, sendo aquela que, por sua natureza decisória, não põe fim à fase cognitiva do procedimento comum ou extingue a execução (art. 203, §§1º e 2º do CPC), decidindo tão somente a controvérsia de responsabilização de terceiros que contribuíram para a prática de desvios e atos fraudulentos contra credores da ação de execução;

  1. O IDPJ, ao ser instaurado, deve suspender o processo que incidiu (caso não tenha sido pedido na petição inicial) até que o juiz da causa defina, nesse incidente, se naquela ação proposta em desfavor de uma pessoa jurídica ingressarão seus sócios ou outros empresários, a depender da tese adotada, formando litisconsórcio passivo a ela, em face de abuso da personalidade (art. 50 CC) robustamente provado e acolhido pelo juízo na decisão do incidente. Após, prosseguirá a demanda de cobrança originária.

  1. Deve ser considerado também, que a pretexto de ausência de previsão legal, a eventual condenação em honorários sucumbenciais, em ações incidentais, fere princípios que justificam a pretendida fixação, ou seja, causalidade e sucumbência.

Na hipótese de improcedência do IDPJ, poder-se-ia pensar na incidência da hipótese do art. 338 do CPC que autoriza a sucessão dos réus em caso de ilegitimidade arguida pelo réu primitivo e acolhida pelo autor. Não é esse o caso.

Os honorários de advogado definidos no parágrafo único do art. 338, são exceção legal a regra do art. 85, §1º do CPC, e a sentença que define a exclusão do réu ilegítimo a figurar na demanda tem natureza terminativa frente a ele. Daí, aplica-se os honorários sucumbenciais excepcionais e, por essa excepcionalidade, os honorários são em patamares menores, entre 3% e 5%.

No caso do pedido de Desconsideração da Personalidade jurídica, modalidade de intervenção de terceiros com natureza de incidente processual, resolve-se por decisão interlocutória, seguindo os precedentes existentes e é, portanto, considerado juridicamente impossível a fixação de verba sucumbencial, vez que o ato judicial não está atrelado à decisão que tem natureza jurídica de sentença nem mesmo se encontra previsto expressamente no elenco do art. 85, § 1º, do CPC/15, sendo inclusive, irrelevante a apuração de quem deu causa ou foi sucumbente na resolução do incidente.

Portanto, acertadamente, ao nosso sentir, a decisão da Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.800.330/SP, decidindo pela impossibilidade de atribuir honorários sucumbenciais ao IDPJ.


Fábio Júnior de Oliveira 1
Jerfferson da Mata Almeida 2

1- Advogado e sócio do Escritório Antunes e Mascarenhas Sociedade de Advogados com atuação nas áreas de Direito Empresarial, Recuperação Estratégica de Créditos e Negociação Empresarial, Recuperações Judiciais e Falências. Graduado pela Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS, pós-graduado em Direito do Trabalho Processual e Material pela Faculdade Educacional da Lapa, pós-graduando em Lei Geral de Proteção De Dados – LGPD e em Direito Empresarial ambos pela Faculdade Legale. Membro da Comissão de Direito para Startups da OAB/MG.

2- Advogado e sócio do Escritório Antunes e Mascarenhas Sociedade de Advogados, consultor nas áreas de Direito Empresarial e Bancário com ênfase no Sistema Financeiro Nacional: Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários e Superintendência de Seguros Privados. Mestre em Direito, pós-graduado em Direito Empresarial, pós-graduado em Direito Tributário, todos pela Faculdade de Direito Milton Campos. Professor do Centro Universitário Newton Paiva em Belo Horizonte, Professor da pós-graduação da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais, Seção de Belo Horizonte/MG. Membro da Comissão Advogado-Professor da OAB/MG.

O advogado e os procedimentos administrativos

O advogado e os procedimentos administrativos

Nos idos de 2008, o STF editou a Súmula Vinculante nº 5 definindo que:

“A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.

Com efeito, nossa Suprema Corte agiu em desfavor à indispensabilidade do advogado em procedimentos administrativos, sejam eles quais forem. Inegável afirmar que tal decisum pôs em risco a proteção efetiva do direito de muitos cidadãos, haja vista que qualquer que seja o procedimento administrativo, processo latu senso, a interpretação da lei é requisito indispensável, todavia, seu interprete, com a Súmula Vinculante nº 5 do Colendo STF, ficou definitivamente alijado do processo e viu suas prerrogativas afrontadas, eis que o artigo 133 da CF/88 assegura a imprescindibilidade do advogado na administração da justiça.

Cumpre contextualizar o leitor que a Súmula Vinculante, instituto criado pela Emenda Constitucional 45/04, representa grande avanço em nosso País que sempre se vê diante de tumultuados achismos jurisprudenciais. Veio com o intuito de pacificar a discussão de questões examinadas nas instâncias inferiores do Judiciário e seus varejos decisórios dissonantes. Sua aprovação exige quórum “qualificado” de mínimo de 8 (oito) ministros do STF e, após sua publicação eletrônica no Diário de Justiça, permite que também agentes públicos de outros poderes, que não o judiciário, passem a adotá-la, assim, consubstanciando-se em inegável progresso do direito e da segurança jurídica pátrios.

É fato inegável a segurança jurídica advinda da referida vinculação decisória, eis que muitas decisões proferidas em processos administrativos, sanções principalmente, ficaram adstritas ao entendimento predominante, encurtando etapas procedimentais e “inovações” decisórias por parte da Administração Pública, p. ex., em decisões em processos administrativos tributários. A vinculação das decisões é avanço que não se discute aqui.

Desse modo, sigamos o foco desta análise, cujo interesse está na proteção do cidadão e a busca da correta aplicação da Constituição Federal em seu capítulo das Garantias Fundamentais.

Nesse sentido, o Conselho Federal da OAB já se manifestou em relação à Súmula nº 5, alegando violação aos artigos 5º, inciso LV, e 133 da Carta Magna, que asseguram o direito de um defensor legalmente habilitado, que possa atuar com competência certificada pelas diversas seccionais da OAB (Exames da Ordem) na defesa dos direitos das pessoas físicas e jurídicas inclusive.

Fato é que a Administração Pública sempre será poderosa e dotada de grande capacidade de recursos disponíveis para manutenção de suas funções e atribuições, no entanto, o cidadão-administrado será sempre frágil diante deste poderio e por que não dizer, hipossuficiente em qualquer relação jurídica que se estabeleça frente ao Poder Público. Diante disso, ao cidadão deve ser garantido seu direito de estar bem representado e com certo nivelamento de oportunidades técnicas perante o Todo Poderoso Estado.

Assim, garantir a participação de um advogado em um procedimento administrativo em que se discutam direitos e deveres do cidadão, análises normativas em várias esferas, não se trata de corporativismo da OAB, mas da firme defesa da garantia e dos interesses da sociedade como um todo. Aqui está em jogo a coletividade, foco da prestação do Estado por meio de um serviço público de qualidade e com isonomia.

Como paradigma, para melhor compreensão do cidadão comum, imaginemos um procedimento administrativo, como o inquérito policial, sendo conduzido sem a presença de um defensor com competência atestada pela Ordem dos Advogados do Brasil e legalmente constituído. Seria razoável que esta defesa fosse feita por alguém sem habilitação para tal mister? Com toda a vênia as demais profissões regulamentadas, por óbvio que não, o risco e o dano envolvidos poderiam ser irreversíveis e de dificílima reparação.

Há que se trazer o tema da representação qualificada e atestada para os procedimentos administrativos, todos estes; com a efetiva e legítima participação de um defensor legalmente habilitado. Obviamente, que imprescindível seria o apoio de expert com tecnicismo destacado, respeitada suas respectivas formações, para a consecução e atingimento da melhor defesa do cidadão sempre capitaneada por um defensor dos quadros da OAB. Aí sim poderia se falar em respeito às garantias fundamentais constitucionais, com destaque à ampla defesa (defesa pessoal e técnica), garantindo o devido processo legal e a paridade de armas, princípios tão caros ao Estado Democrático de Direito.

Por fim, e para a reflexão, poderia a Ordem dos Advogados do Brasil envidar seus melhores esforços para promover o debate junto às instituições e fazer valer a presença do advogado, também, na condução dos processos administrativos, quer sejam disciplinares ou não.


Por Henrique Martins Farias
Sócio e Regulatório RIG na Antunes Mascarenhas